Maria não virou João

21 de novembro de 2015

Lina brincava de pipa. Charlie gostava de desenhar. Maria brincava de boneca, mas não gostava.
Charlie tinha que ir para o karatê. Maria para o balé. Lina continuava a brincar de pipa, pois ninguém mandou nascer no interior. O kimono não caia bem em Charlie, era grande, largo, ele achava que deveria ser ajustado, mas ajustado não é de macho, então se calava. O traje de balé ficaria ideal em Maria se ela não comesse tanto e ficasse barriguda, o penteado no cabelo ficaria lindo se ela não tivesse cortado a própria franja porque odiava ter o cabelo cobrindo os olhos. Charlie pegava a franja cortada de Maria e colocava na cabeça. Maria brigava com os meninos na rua por zombar de Charlie. Enquanto isso, Lina prendia o cabelo e andava descalça, ela podia brincar de pipa, bola e boneca. Os demais não. De tanto ganhar bonecas, Maria acabou gostando: aprendeu a dar banho, fazer penteados, colocar para dormir, e a nunca mais arrancar a cabeça fora. Maria engravidou cedo, não virou João. Lina cresceu, começou a comprar suas próprias roupas íntimas, comprava cueca, era mais confortável. Lina virou Nilo. Charlie era neutro, começou a vestir preto, porque disseram que é cor de menino e menina, mas sobretudo, do luto.